~~ Olhos.~~

E os barulhos dos tiros zuniam em meu ouvido até que, de súbito me projetei para a frente e abri os olhos.

Quer dizer... Eu tentei.

Tentei me projetar para frente ou abrir os olhos, mas, meu corpo não me obedecia...
Pesava como um corpo morto e por um instante, eu mordi os lábios.

Mas o que estava acontecendo?
Tive a sensação de já ter vivido tudo aquilo e tentei com mais força mover o corpo.

Nada.

Sem resposta.

Respirei fundo e tentei me lembrar de quando fora que já havia vivido aquilo, porém, não me lembrei. Parecia que quanto mais eu tentava lembrar, mais as lembranças fugiam de minha cabeça, e então, eu tentei não pensar nele.
Para que ele não desaparecesse.

Ele...

Não pude evitar. Minha mente atingiu-o como se fosse o último degrau de uma longa escada.
Seria ele sido um sonho?

Sonho!
Sim, eu havia vivido isso num sonho!

E então, quando meu cérebro finalmente havia chegado em uma conclusão boa, a dor me dilacerou, quase como se partisse-o ao meio.
Minha cabeça doía e eu estava começando a ficar tonta.
Sentia algo quente em meu pescoço, porém, eu não podia ver, não podia tocar para descobrir!!

Senti o cheiro de sangue e achei por um segundo que fosse minha pressão caindo.
Sempre que ela cai eu sinto cheiro de sangue...
Sim, deveria ser isso.

A tontura, a fraqueza, o cheiro de sangue.
O próximo sintoma seria a visão negra, porém, como não conseguia abrir meus olhos, não conseguiria distinguir quando ela chegasse.

Foi quando eu ouvi aquela voz...

"Enfermeiras!! Enfermeiras!!"

Aquela voz poderosa, potente, capaz de amolecer-me as pernas mesmo deitada numa cama, ou talvez fosse a pressão...

... Ele... estava ali? Comigo? Mas como era possível?
Afinal, aonde eu estava???

O desespero começou a tomar conta de mim quando notei que quanto mais nervosa e desesperada eu ficava mais tonta eu ficava, mais perdida, com mais dor...
Minha cabeça parecia capaz de explodir enquanto eu tentava desesperadamente abrir os olhos, eu forçava, forçava, forçava, mas eles não me obedeciam, até que por fim...

Luz.

Me cegou por alguns instantes enquanto eu os fechava de novo com certo desespero!
Agora que sabia que conseguia me mexer, fazia tudo com mais força.
Puxei uma mão até meus olhos, protegendo-os da luz, e a outra foi até meu pescoço, porém, antes de tocá-lo, uma mão grande e quente parou-a.

Eu quis abrir os olhos para reconhecê-lo, porém, tive medo de não ser ele quem estava ali do meu lado, e por isso, apertei com mais força os olhos.

"Está doendo muito?"

Mas que tom doce de quem fala com criança era aquele?

"Eu chamei as enfermeiras, elas já viram para cuidar melhor de você...
Eu fiquei preocupado quando os médicos atenderam seu celular..."

Médicos?? Mas, afinal...

"A.... Onde... e... eu es...tou?"

Aquela era minha voz?
Por que estava tão rouca e lenta?

"Por favor.. Não fale... Vai tirar o curativo do lugar..."

Curativo...?
Aquela história me parecia cada vez mais séria, real e preocupante, e foi por isso que resolvi me arriscar...
Rezando para que ele fosse verdade, eu abri meu olhos e tirei minha mão da frente.

























~~O Vermelho~~

Para nós estava claro como seria essa noite, mais uma vez encheríamos a cara, nos arrastaríamos pelas vielas tortas de nossa bela Artanha até chegarmos algum mausóléu...
Algumas noites nós apenas batíamos papo...
Outras acabávamos chorando bêbados um nos ombros do outro, ou às vezes, dividíamos o táxi e apenas observávamos as luzes da cidade, contando carros.
O que será que aconteceria hoje?
Olhei então para a rua, vazia como sempre e olhei para ele enquanto serviam nossas taças.
Ouvi meu cérebro cantarolar "The show must go on" enquanto envolvia a taça com meus dedos. O vidro estava gelado, e minhas mãos começavam a marcá-lo com seu calor ao redor de meus dedos.
Peguei a minha e virei-a num gole só.

Gulp.

Mas que vodka forte.

Foi então que por algum motivo, quase como se por reflexo, ou num ataque de meu 6º sentido, olhei mais uma vez para a rua e então lá estavam 5 homens armados atirando ruidosamente para dentro do bar, onde as pessoas já haviam rendido-se e sequer moviam-se, até cairem mortas.

Mas o quê...?

Não... Não tive voz para perguntar isso mais alto que meus pensamentos...
tudo começou a acontecer em câmera lenta.
Era como se eu visse cada bala acertar o alvo.
Taças se espatifando.
Cervejas invadiam o ar caindo sobre as manchas vermelhas no chão, enquanto os que já não caíam mortos jogavam-se no chão.

Rendidos.
Feridos.
Sem ar.
Sem armas.
Sem defesa.
Apenas buscavam esconderijo e proteção dos projéteis que sem diferenciar sexo, idade, cor de pele, de cabelo, de olhos, se as bolsas eram originais ou se as roupas eram de grife, atingiam seus corpos de pele macia e sem armadura.

~~ A Bebida~~

Ele sorriu e assentiu com a cabeça, tenho certeza que junto de mim pensou que nós não mudaríamos nunca.

Eu olhei ao redor um pouco desorientada, estava cansada... Muito mais cansada do que o normal... Talvez fossem os momentos de paixão durante o dia... Mas algo me parecia estar errado... Algo dentro do meu cérebro apitava em sinal de perigo, e eu achava ser a falta da álcool, afinal de contas, não era comum sentarmos daquela forma e não beber.

Chamei o garçom, que sorriu para mim de uma forma mais íntima do que eu gostaria.. Mas, o que eu poderia fazer?? Nos últimos dias eu andava indo todos os dias no bar... Meu marido devia estar de fogo para "trabalhar" tanto... Enfim, logo que o mesmo veio nos atender, ele interveio.
Pediu uma garrafa da vodka mais cara que tinham ali, uma de garrafa leitosa e comprida que sempre ficava exibida no canto do balcão, e naquele instante, mesmo antes de beber, e sem ser vidente, claro, eu tive certeza de uma única coisa: Com certeza, essa noite acabará exatamente como a anterior, porém, dessa vez, com uma bebida mais cara.

E talvez, se tivéssemos sorte... O dia dele teria sido melhor que o comum e acabaríamos rindo à toa na rua enquanto seguíamos até o ponto de táxi mais próximo...


~~O Bar~~


Foi então que me sentei mais uma vez diante dele naquela mesma mesa de bar, ele sempre se sentava ali. Parecia um lobo velho, sempre no mesmo posto de combate e observação.

Não estava velho, e nem sequer tinha a aparência altiva e esperta de um lobo, mas fingia tamanha astúcia e perícia em sua arte que seria possível perder horas apenas analisando todosos sinais.

Ele parecia já esperar que eu me sentasse, como se tudo sempre soubesse, e então,agora que nada mais me restava a fazer,além de beber, claro, eu me via encarando seu velho terno negro surrado que eu mesma havia surrado na noite passada.


A noite passada fora tensa sem igual. Eu ficara trabalhando, não"trabalhando", trabalhando de verdade!! Até passar da meia-noite. Quando resolvera por fim ir para casa encontrara aporta trancada (e não que esse fosse meu problema) mas geralmente a porta trancada significava que ainda demoraria. Tinha vindo para o bar de jazz de carro e só para piorar as coisas um grupo daquelas "mulheres de vida difícil" haviam decidido transformar meu capô no ponto delas. Tirei elas de cima do meu carro na porretada, literalmente falando, já que tive de tirara primeira delas pelo cabelo para enfim elas entenderem que não ficariam vivas se ficassem sobre meu capô.

Enfim, além do nojo inimaginávelmente grande do pobre capô do carro, que agora já devia ter AIDS,quandoentrei no bar escolhi a bebida errada.

Era amarga, o que me deixou de mal-humor, e por isso, eu socara seu peito diversas vezes, até deixar o terno surrado. Maldita indicação ruim.

Não, com ele eu não tinha nada exceto confidências. Ele me contava dos problemas dele, e eu lhes contava os meus. Bebíamos e depois íamos embora.

Mas, enfim, voltando à aparência dele de agora...


Olhei para as marcas de batom no pescoço dele, eram de um roxo beterraba de extremo mal gosto, enquanto ele encarava meus lábios com o batom borrado. Mas aquelas marcas em seu pescoço não pareciam ter sido feitas por nenhum tipo de "mulher", quer dizer... Uma boca gigantesca e quadrada em um batom roxo beterraba... Bom... Eram marcas de um batom feio, e com certeza não eram de meu batom vermelho sangue.

Foi então que arrumei meu amassado vestido de cetim, não que isso fizesse diferença,uma vez que ele mesmo parecia ter sido atropelado por um caminhão, e apoiei-me contra as costas da cadeira, olhando-o e rindo. "Nós Realmente Jamais Vamos Mudar, Não É?"


Infelizmente, àquela altura, com as lembranças da noite de ontem, a ausência de meu deus magnânimo, e a existência de meu marido com aquela ratinha em minha casa pareciam ter me feito perder todas as esperanças...