~Táxi~

O taxista não parecia muito interessado na minha pressa de sair de perto de casa, de forma que ele sequer acelerava o maldito Astra que estava dirigindo.
Era possível ouvir aquela mixaria de motor roncar por nada, apenas para gastar mais gasolina e aumentar o taxímetro enquanto ele rastejava aparentemente procurando trânsito.
Apesar de já estarmos um pouco mais distante de casa, e eu não ter pressa alguma para chegar até o bar, eu estava começando a me irritar, e assim puxei o maço de dinheiro que tinha e mostrei-o pelo espelhinho do táxi.

"Lhe pago a mais se você puder parar de enrolar e procurar trânsito e for direto ao meu destino."

Os olhos do bigodudo brilharam e ele logo voltou a dirigir, e não mais rastejar, pelas ruas.
Não demorou muito mais para chegarmos lá, já estava bem tarde, e logo eu joguei um pedaço do maço na mão dele sem sequer contar o quanto fora.
Apesar disso, devia ser uma quantia grande já que o velho contou o dinheiro e sumiu na virada da esquina sem nem pensar em voltar.

"Ai, ai..."

E lá estava eu de novo buscando um lugar para afogar as minhas mágoas, agora maiores que nunca.
A saudade me queimava o peito mais do que qualquer bebida que eu provara já havia queimado minha garganta.
Os lábios pressionavam-se sem jeito em busca dos lábios dele e eu via sua imagem e sentia seu cheiro sempre que fechava os olhos.

"Ahn..."

Fiquei alguns segundos parada à porta e logo entrei.
Estava tudo igual, como de costume.
A pequena banda de jazz tocava ao fundo, do lado do balcão. Os garçons serviam as mesas não muito cheias, e nem vazias.
Reconheci então uma figura que estava escondida por entre a multidão, meu colega de copo, o que costumava passar as noites ao meu lado discutindo causos.

Ele parecia igual, e provavelmente eu, com aquele vestido, também pareceria...

De qualquer forma, aquilo não fazia diferença, embora houvesse mudado por dentro eu ainda não sabia se haveria alguma mudança por fora, e até que ela ocorresse, eu não poderia contar a ninguém...
Quanto menos gente soubesse, menor seriam as chances de espalharem para alguém que pudesse arruinar aquilo...
Por um segundo me peguei pensando sobre aquilo...
E será que mudaria?

"Tomara..."

Olhei minhas mãos, porém nelas não haviam nenhum tipo de aliança brilhante.
Sim, a aliança que faria conjunto com o cavaleiro de armadura brilhante que viera me salvar...

Bem.. Agora só me restava entrar, esperar, e talvez, se ainda me fosse permitido... Rezar.

~Vestido~

Toquei a chave na fechadura da porta e ouvi um gemido alto e feminino sair de dentro da sala.

"Aaaahhnnn!!!"
"Merda."

Meu marido ainda não havia terminado o "trabalho" que levara para casa...
Eu respirei fundo e olhei o que vestia. Ainda usava o doce terno que cheirava ao perfume de mogno dele. O cheiro ainda estava forte, delicioso.
Revivia minhas memórias deixando minhas pernas bambas e fracas...

Não podia ir para o velho bar de jazz daquela forma.
O terno poderia perder o perfume dele, e eu sabia que, caso ele não mais aparecesse, aquilo seria a única lembrança que teria..
Talvez doesse mais se eu mantivesse uma lembrança tão intensa viva em minha memória, porém, não valeria a pena ter vivido aquilo se eu fosse desistir por uma simples possibilidade.
Eu mergulharia de cabeça... Mesmo se fosse apenas para quebrá-la quando eu chegasse ao fim do poço.
De que valeria viver se não fosse para aproveitar todas as possibilidades ao máximo?

"Não posso te perder... Tão cheiroso... Pensando bem... Eu não posso perdê-lo de forma alguma..."

Eu abracei meu próprio corpo com carinho, acariciando o terno. E o maravilhoso perfume subiu por minhas narinas, desnorteando-me.
Olhei em volta e respirei fundo. Precisava sair dali.
Corri até a lateral da casa e entrei na garagem, com cuidado, sem fazer barulho.
O carro ainda estava ali, estacionado como de costume.
Eu me lembrava de sempre manter uma troca extra de roupa no carro, para caso fosse necessário uma escapatória rápida.
Aquele caso era de fato uma urgência, uma necessidade.
Abri a porta com muito cuidado e me deitei por cima do banco do motorista.
Puxei a caixinha localizada sob o banco do carona e tirei de dentro dele o velho vestido de cetim rubro.
Estava amassado e com um pouco de cheiro de guardado, porém, troquei-me ali mesmo.

"Perfeito... Ainda cabe."

Após vesti-lo, deixei o terno dobrado dentro da mesma caixa e saí de dentro do carro.
Sai da garagem, tranquei-a e corri para a rua mais uma vez.
E então, peguei o táxi que estava estacionado na esquina de casa e fui em direção ao velho bar de jazz.

~Sorriso~

Eu estava perdida em pensamentos quando a mão dele pousou sobre a minha.
O susto foi baixo e breve, mas ele parecia sentir meu coração. A mão subiu por meu braço e tocou-me o braço, o maxilar, a orelha e agora o couro cabeludo, num cafuné lento.

"Parece cansada..."
"Não... Não cansada... Desnorteada..."
"Ah... Então terei de me esforçar mais da próxima vez...."

Eu sorri... Tolice.. Era impossível ser melhor, mas, deixei aquela carícia de ego para mais tarde... Para um momento mais íntimo...

"Hm... Está toda sorridente novamente... Assim está melhor..."
"Assim?!?"

E então de um sorriso forçado que mais parecia uma careta.
Ele olhou e riu.

"Não.. O original..."

E então acariciou minhas covinhas que eu jamais antes notara... Elas somente existiam com ele... com os sorrisos que ele causava.
E como causava, causou.E lá estava eu com aquele sorriso gigante formador-de-covinhas.

"Mas acabou..."
"Acabou o que, amada?"
"Oras.. Acab.. cof cof..."

Me atrapalhei com as palavras após as dele.

"Hehehehe..."
"Hunf.. A noite... Acabou.."

Ele respirou fundo.

"Aonde vai amanhã?"
"Oras, trabalhar!"
"Então nos veremos amanhã de novo. Podemos..."
"Vai estar por aqui...?"
"Sim... Quer almoçar amanhã..?"
"Claro."

E então o carro parou, enquanto eu era atraída magneticamente pelos lábios dele.

"É sua casa... As luzes estão acesas..."
"Hm.. Pena... Odeio não poder levar ""trabalho"" para casa..."
"O que?"
"Nada... Eu lhe explico amanhã..."
"Certo..."

E então eu o beijei o boa noite.
Sai da lamborghini e ouvi, de costas, ele acelerar um tanto quanto frustrado até a esquina.
Respirei fundo, e fui na direção de casa.