~~ A Bebida~~

Ele sorriu e assentiu com a cabeça, tenho certeza que junto de mim pensou que nós não mudaríamos nunca.

Eu olhei ao redor um pouco desorientada, estava cansada... Muito mais cansada do que o normal... Talvez fossem os momentos de paixão durante o dia... Mas algo me parecia estar errado... Algo dentro do meu cérebro apitava em sinal de perigo, e eu achava ser a falta da álcool, afinal de contas, não era comum sentarmos daquela forma e não beber.

Chamei o garçom, que sorriu para mim de uma forma mais íntima do que eu gostaria.. Mas, o que eu poderia fazer?? Nos últimos dias eu andava indo todos os dias no bar... Meu marido devia estar de fogo para "trabalhar" tanto... Enfim, logo que o mesmo veio nos atender, ele interveio.
Pediu uma garrafa da vodka mais cara que tinham ali, uma de garrafa leitosa e comprida que sempre ficava exibida no canto do balcão, e naquele instante, mesmo antes de beber, e sem ser vidente, claro, eu tive certeza de uma única coisa: Com certeza, essa noite acabará exatamente como a anterior, porém, dessa vez, com uma bebida mais cara.

E talvez, se tivéssemos sorte... O dia dele teria sido melhor que o comum e acabaríamos rindo à toa na rua enquanto seguíamos até o ponto de táxi mais próximo...


~~O Bar~~


Foi então que me sentei mais uma vez diante dele naquela mesma mesa de bar, ele sempre se sentava ali. Parecia um lobo velho, sempre no mesmo posto de combate e observação.

Não estava velho, e nem sequer tinha a aparência altiva e esperta de um lobo, mas fingia tamanha astúcia e perícia em sua arte que seria possível perder horas apenas analisando todosos sinais.

Ele parecia já esperar que eu me sentasse, como se tudo sempre soubesse, e então,agora que nada mais me restava a fazer,além de beber, claro, eu me via encarando seu velho terno negro surrado que eu mesma havia surrado na noite passada.


A noite passada fora tensa sem igual. Eu ficara trabalhando, não"trabalhando", trabalhando de verdade!! Até passar da meia-noite. Quando resolvera por fim ir para casa encontrara aporta trancada (e não que esse fosse meu problema) mas geralmente a porta trancada significava que ainda demoraria. Tinha vindo para o bar de jazz de carro e só para piorar as coisas um grupo daquelas "mulheres de vida difícil" haviam decidido transformar meu capô no ponto delas. Tirei elas de cima do meu carro na porretada, literalmente falando, já que tive de tirara primeira delas pelo cabelo para enfim elas entenderem que não ficariam vivas se ficassem sobre meu capô.

Enfim, além do nojo inimaginávelmente grande do pobre capô do carro, que agora já devia ter AIDS,quandoentrei no bar escolhi a bebida errada.

Era amarga, o que me deixou de mal-humor, e por isso, eu socara seu peito diversas vezes, até deixar o terno surrado. Maldita indicação ruim.

Não, com ele eu não tinha nada exceto confidências. Ele me contava dos problemas dele, e eu lhes contava os meus. Bebíamos e depois íamos embora.

Mas, enfim, voltando à aparência dele de agora...


Olhei para as marcas de batom no pescoço dele, eram de um roxo beterraba de extremo mal gosto, enquanto ele encarava meus lábios com o batom borrado. Mas aquelas marcas em seu pescoço não pareciam ter sido feitas por nenhum tipo de "mulher", quer dizer... Uma boca gigantesca e quadrada em um batom roxo beterraba... Bom... Eram marcas de um batom feio, e com certeza não eram de meu batom vermelho sangue.

Foi então que arrumei meu amassado vestido de cetim, não que isso fizesse diferença,uma vez que ele mesmo parecia ter sido atropelado por um caminhão, e apoiei-me contra as costas da cadeira, olhando-o e rindo. "Nós Realmente Jamais Vamos Mudar, Não É?"


Infelizmente, àquela altura, com as lembranças da noite de ontem, a ausência de meu deus magnânimo, e a existência de meu marido com aquela ratinha em minha casa pareciam ter me feito perder todas as esperanças...